Leitura Inicial - Terça 24/03 (Parte 1/4) - Sala de Leitura Vinícius de Moraes - Prof. Danilo Cesar
Caso
de secretária
Foi
trombudo para o escritório. Era dia de seu aniversário, e a esposa nem sequer o
abraçara, não fizera a mínima alusão à data. As crianças também tinham se
esquecido. Então era assim que a família o tratava? Ele que vivia para os seus,
que se arrebentava de trabalhar, não merecer um beijo, uma palavra ao menos!
Mas no escritório, havia flores à sua espera, sobre a mesa. Havia o sorriso e o
abraço da secretária, que poderia muito bem ter ignorado o aniversário, e,
entretanto o lembrava. Era mais do que uma auxiliar, atenta, experimentada e
eficiente, pé-de-boi da firma, como até então a considerara; era um coração
amigo.
Passada
a surpresa, sentiu-se ainda mais borocochô : o carinho da secretária não curava
, abria mais a ferida. Pois então uma estranha se lembrava dele com tais
requintes, e a mulher e os filhos, nada? Baixou a cabeça, ficou rodando o lápis
entre os dedos, sem gosto para viver.
Leitura Inicial - Quarta 25/03 (Parte 2/4) - Sala de Leitura Vinícius de Moraes - Prof. Danilo Cesar
Durante
o dia, a secretária redobrou de atenções. Parecia querer consolá-lo, como se
medisse toda sua solidão moral, o seu abandono. Sorria, tinha palavras amáveis,
e o ditado da correspondência foi entremeado de suaves brincadeiras da parte
dela.
-O
Senhor vai comemorar em casa ou numa boate?
Engasgado,
confessou-lhe que em parte nenhuma. Fazer anos é uma droga, ninguém gostava
dele neste mundo, iria rodar por aí à noite, solitário, como o lobo da estepe.
-
Se o senhor quisesse, podíamos jantar juntos - insinuou ela, discretamente.
E
não é que podia mesmo? Em vez de passar uma noite besta, ressentido - o pessoal
lá de casa pouco tá ligando -, teria horas amenas, em companhia de uma mulher
que - reparava agora -era bem bonita.
Leitura Inicial - Quinta 26/03 (Parte 3/4) - Sala de Leitura Vinícius de Moraes - Prof. Danilo Cesar
Daí
por diante o trabalho foi nervoso, nunca mais que se fechava o escritório. Teve
vontade de mandar todos embora, para que todos comemorassem o seu aniversário,
ele principalmente. Conteve-se, no prazer ansioso da espera.
-
Onde você prefere ir? - perguntou, ao saírem.
-
Se não se importa, vamos passar primeiro em meu apartamento. Preciso trocar de
roupa. Ótimo, pensou ele; - faz-se a inspeção prévia do terreno, e, quem sabe?
-
Mas antes quero um drinque, para animar - ele retificou.
Foram
ao drinque, ele recuperou não só a alegria de viver e fazer anos, como começou
a fazê-los pelo avesso, remoçando. Saiu bem mais jovem do bar, e pegou-lhe do
braço.
Leitura Inicial - Sexta 27/03 (Parte 4/4) - Sala de Leitura Vinícius de Moraes - Prof. Danilo Cesar
No
apartamento, ela apontou-lhe o banheiro e disse que o usasse sem cerimônia.
Dentro de quinze minutos ele poderia entrar no quarto, não precisava bater- e o
sorriso dele, dizendo isto, era uma promessa de felicidade.
Ele
nem percebeu ao certo se estava arrumando ou se desarrumando, de tal modo os
quinze minutos se atropelaram, querendo virar quinze segundos, no calor
escaldante do banheiro e da situação. Liberto da roupa incômoda abriu a porta
do quarto. Lá dentro, sua mulher e seus filhinhos, em coro com a secretária,
esperavam-no cantando "Parabéns pra você".